Não há muito mais a dizer, pois não? Nascemos bons e fizeram-nos maus. Sonhámos com a distância e o infinito e contentámo-nos com poucas assoalhadas e um seguro que nos garanta depois de mortos. Aprendemos uma religião que prega a renúncia, a dádiva total, o amor, mas deitámos contas e concluímos que a caridade bem ordenada, por nós é começada. Tivemos a dádiva espantosa de criar novas vidas, mas aceitamos como notícia diária o crime monstruoso de muitas mais que são tiradas. Sabemos que enquanto lutamos pela qualidade de vida, milhões de pessoas morrem de fome, enquanto nos queixamos das arranhadelas praticadas em motorecas dadas antes do tempo, a meninos nascidos em berços de ouro, e tratadas em clínicas de luxo, crianças de todo o mundo não têm acesso aos mais básicos cuidados de saúde. Chocamo-nos com os romances épicos da resistência ao nazismo há meio século, e assistimos, como a um filme de aventuras, ao renascer do etnismo, das associações elitistas, do vandalismo dos skin-heads, do ódio e do racismo.
Sabemos que estão a destruir sistematicamente o nosso cantinho do Universo e a uma velocidade que talvez nos deixe pouco para legar aos nossos filhos, mas não prescindimos dos carros de luxo e da velocidade, dos aerosóis, dos sprays, das fraldas de papel, dos detergentes lavam tudo, das embalagens descartáveis, dos plásticos.
Temos razões. Imensas razões. Vivemos numa sociedade em crise, a nossa escala de valores foi destruída mas não substituída, o nosso dia-a-dia é arrasador, estamos submersos em «bichas» intermináveis nos supermercados e nas estradas, no notário, no banco e nas repartições públicas. Gastamos horas, que não temos , para cumprir prazos incumpríveis e enfrentamos burocracias torturantes para o mais simples acto cívico. Há insegurança nas ruas, poluição nas praias, concorrência desonesta nos empregos, droga nas escolas. Não há pessoal. Não há bom ensino. Não há espaços para as nossas crianças, nem confiança nos serviços de saúde (mesmo que pagos a peso de ouro), nem comida sem ser contaminada, nem acesso ao ensino superior, nem garantia de emprego.
Não há casas. Não há tempo.
E somos tantos num mundo tão pequenino!
Não há muito mais a dizer. Não existem receitas, regras ou verdades absolutas. Ninguém, sózinho, resolve coisa nenhuma.
Ninguém pode impedir a força de tantos, a vontade de alguns, o poder do dinheiro, a corrupção, a prepotência, o abuso da autoridade, o uso do medo. Somos vulneráveis e impotentes.Somos fracos e temos razões para o ser.
Estamos cansados, fartos e prestes a desistir.
Mas somos tantos, nascemos bons e temos, dentro de nós, a força de muitos sonhos e a grandeza de tantos projectos. Recebemos uma herança, fazemos parte de uma longa linha, tivemos filhos para a continuar. Existem em nós rios de amor, oceanos de ternura, um imenso ódio ao mal que nos fizeram, ao abandono a que nos votaram, ao desencanto que criaram para nós.
E, bem vistas as coisas, se pusermos de lado as aparências e a vergonha, ainda temos muitas lágrimas para chorar, quando a televisão traz a nossas casas essas caras, envelhecidas, pela fome e pela miséria , de crianças sem idade que , por um qualquer acaso geográfico, bem poderiam ser as nossas! Eu sei que não há muito mais a dizer.Sei que não há receitas, nem verdades, nem soluções fáceis.Mas continuamos a existir, nós, a nossa vontade e a nossa vergonha. E continuamos, sempre, a ter a possibilidade de um dia dizer «não».
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Maria F. Blanc
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